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A contemporaneidade nas veias de Ralph Gehre

Dizem as boas línguas que com o avançar da idade se intensifica o hábito de narrar os acontecimentos. Quero crer que historiadores tenham, por imposição de ofício, a liberdade legítima para avançar ainda mais nas próprias reflexões…

Dessa forma, em solilóquio quase contrito, meditei a respeito das obras do artista Ralph Gehre, em exposição na Alfinete Galeria. Uma bela curadoria com cerca de 30 obras de distintas fases da produção do artista, parte delas inéditas.

Lembrei-me, em tracejar não muito preciso na linha do tempo, de uma das primeiras obras de Ralph que tive a alegria de adquirir. Era uma tela de tamanho médio, com sobreposição de tintas que denunciavam um movimento espatular solto. No primeiro plano, a figura em perfil entregava aos espectadores a habilidade de seu executor e a sensibilidade na escolha de cores e formas.
Como pôde o artista transitar entre técnicas, temáticas e materiais tão distintos e com tanta propriedade ao longo dos anos? Quiçá encerre, em si mesmo, aquilo que o filósofo Arthur Danto pesquisou durante sua brilhante vida acadêmica: o pluralismo e o multiculturalismo, aspectos indispensáveis para compreendermos a Arte Contemporânea. Novas linguagens, outros suportes, emoção.

Portanto, estou convicta de que Ralph Gehre tem a contemporaneidade nas veias. Menos por uma questão cronológica, mas por encarnar, corpo e alma, seus sintomas mais evidentes. Dei-me conta disso quando vi o autorretrato do artista, monocromático, cuja tinta rubra surgira a partir de um corte no dedo (2020). Com o material inusitado (sangue), dinamismo e destreza o artista contornou a imagem que lhe é tão familiar.
Das acomodações de objetos distintos, tornando explícita sua verve neoconcreta, às produções de “jogos” modulares, tudo em Ralph Gehre evoca ousadia, confiança e liberdade, mesmo quando passeia pela arte dita “tradicional”.

Talvez o próprio Ralph tenha respondido às minhas indagações iniciais ao afirmar: “O que posso dizer sobre meu trabalho já está dito nele”.
Perfeito. Nada mais que a objetividade cortante e bem-vinda daquilo que realmente importa.