Sexta no ateliê de Adriana Marques

Sexta no ateliê de Adriana Marques Somente há pouco percebi o quanto lhe cai bem a cor branca, Adriana.Saltou-me aos olhos o branco do sorriso e dos cabelos em diálogo harmonioso com a sua percepção da obra feita por um certo Sr. Velásquez. Mais evidente ainda o branco flagrado na vestimenta de trabalho, utilizada como suporte útil para as muitas pinceladas de cores inúmeras. Estaria ali o testemunho pictográfico de erros e acertos até que estivessem concluídas as obras? Seriam pinceladas tão diversificadas quanto os mundos pelos quais transitam seus interesses e habilidades?O pouco que vi ontem foi o suficiente para compreender as sutilezas e a grandeza de seu trabalho. Ansiosa, desde já, para ver o que a próxima exposição irá nos dizer…
A contemporaneidade nas veias de Ralph Gehre

A contemporaneidade nas veias de Ralph Gehre Dizem as boas línguas que com o avançar da idade se intensifica o hábito de narrar os acontecimentos. Quero crer que historiadores tenham, por imposição de ofício, a liberdade legítima para avançar ainda mais nas próprias reflexões… Dessa forma, em solilóquio quase contrito, meditei a respeito das obras do artista Ralph Gehre, em exposição na Alfinete Galeria. Uma bela curadoria com cerca de 30 obras de distintas fases da produção do artista, parte delas inéditas. Lembrei-me, em tracejar não muito preciso na linha do tempo, de uma das primeiras obras de Ralph que tive a alegria de adquirir. Era uma tela de tamanho médio, com sobreposição de tintas que denunciavam um movimento espatular solto. No primeiro plano, a figura em perfil entregava aos espectadores a habilidade de seu executor e a sensibilidade na escolha de cores e formas.Como pôde o artista transitar entre técnicas, temáticas e materiais tão distintos e com tanta propriedade ao longo dos anos? Quiçá encerre, em si mesmo, aquilo que o filósofo Arthur Danto pesquisou durante sua brilhante vida acadêmica: o pluralismo e o multiculturalismo, aspectos indispensáveis para compreendermos a Arte Contemporânea. Novas linguagens, outros suportes, emoção. Portanto, estou convicta de que Ralph Gehre tem a contemporaneidade nas veias. Menos por uma questão cronológica, mas por encarnar, corpo e alma, seus sintomas mais evidentes. Dei-me conta disso quando vi o autorretrato do artista, monocromático, cuja tinta rubra surgira a partir de um corte no dedo (2020). Com o material inusitado (sangue), dinamismo e destreza o artista contornou a imagem que lhe é tão familiar.Das acomodações de objetos distintos, tornando explícita sua verve neoconcreta, às produções de “jogos” modulares, tudo em Ralph Gehre evoca ousadia, confiança e liberdade, mesmo quando passeia pela arte dita “tradicional”. Talvez o próprio Ralph tenha respondido às minhas indagações iniciais ao afirmar: “O que posso dizer sobre meu trabalho já está dito nele”.Perfeito. Nada mais que a objetividade cortante e bem-vinda daquilo que realmente importa.
Sobre artes e arrepios

Sobre artes e arrepios Relembrando o artigo de 2021, quando a obra de Djanira havia sido removida do Palácio do Planalto.Deixem Djanira falar!. Em 2019 tive o prazer de escrever um artigo, no blog “Sobre arte e arrepios”, a respeito do trabalho da artista Djanira da Motta e Silva. Vivamente impressionada com suas telas monumentais, suas cores e temáticas, direcionei meus apontamentos, à época, para o mundo do trabalho, tendo como referência a série de obras feitas nos anos de 1970, inspiradas nas visitas da artista às jazidas de minério de ferro (MG) e às carvoarias (SC).Mesmo antes da queda da barragem em Mariana e do desastre em Brumadinho, Djanira demonstrava sensibilidade e preocupação com assuntos pertinentes aos temas ambientais. Mas o legado de Djanira é certamente bem maior. Tem clara relação com nossa cultura ancestral, nossos folguedos e nossos hábitos construídos ao longo de centenas de anos.Desprezar uma obra como “Os orixás”, além de um profundo desrespeito para com nossa identidade plural e democrática, é, também, sintoma de uma parcela doente da sociedade que se afoga agarrada à boia de seus valores mesquinhos.Longe de ser um diálogo a respeito de gosto, conhecimento ou erudição aplicada às obras de arte. Essa é uma outra seara.Trata-se de confundir o que é público com o que é pessoal e particular; escancarar preconceitos e submeter-nos a mais um vexame coletivo.Se há realmente a necessidade de que a expressão ocorra por intermédio da arte, por favor, deixem Djanira falar.
O mundo encantado de Valéria

O mundo encantado de Valéria Tic-tac, tic-tac, tic-tac…Eis que o tempo nos impõe reflexões incessantes…Mina de ouro para os artistas, foi entregue pelo próprio deus Cronos à mente inquieta e investigativa da artista Valéria Pena-Costa. Caminhar por entre os labirintos dos cômodos de sua casa/ateliê foi como invadir seu mundo inconsciente, repleto de objetos, animais taxidermizados, beleza e muita, muita inquietude. Minha querida amiga Chris, lembrou-me, durante a visita, que o tempo fora assenhorado pelo grande Quintana repetidas vezes e eu a recordar como trabalhou Dali com o objeto síntese (relógio), em formas derretidas graças à conhecida abordagem surreal. Em Valéria, no entanto, o tempo parece fugir às regras estanques ou à caixa dos movimentos artísticos “engessados”. Dialoga com o período ancestral de sua infância na qual os sonhos têm cores, formas e texturas diferenciadas.Em certo momento até pude escutar, com a mente, o coelho de Alice em sua famosa queixa “… é tarde, muito tarde, estou atrasado…”.Incrível como a arte de Valéria nos transporta através do tempo. Seus objetos, que também são nossos, traduzem algo de místico, etéreo, passível de muitas divagações e algo de prático, tangível, cruelmente real.É a arte, por meio de sua artífice, a aproximar mundos diferentes nos quais o tempo ideal e o tempo real transitam, confortáveis, no limbo da nossa imaginação.